(Postado por Monica Soares)
Sempre que iniciamos o estudo do Clown, indico este texto para compreensão sobre o que é 'SER CLOWN'.
Em Busca de Seu Próprio Clown
Jacques Lecoq
Na tradição do circo, o clown
começava sendo um acrobata, malabarista ou trapezista, e depois, com o passar
do tempo, não podendo mais realizar os números no mesmo nível de qualidade,
ensinava-os a um jovem e tornava-se um clown.
Desde os anos sessenta
manifesta-se um interesse pelo clown. Mas o clown não está mais ligado ao
circo: trocou o picadeiro pela cena e pela rua. Muitos jovens desejam ser
clowns; é uma profissão de fé, uma tomada de posição perante a sociedade: ser
esse personagem à parte e reconhecido por todos, pelo qual sentimos um vivo
interesse, naquilo que ele não sabe fazer, lá onde ele é fraco. Mostrar suas
fraquezas (as pernas finas, o peito largo, os braços pequenos) e enfatizá-las
usando roupas diferentes daquelas que usualmente as ocultam, é aceitar-se e
mostrar-se tal como se é.
Numerosos jovens em todos os
países andam pelas ruas com três bolinhas, uma cambalhota, uma parede
invisível, querendo ser vistos. O fenômeno ultrapassa a simples representação e
seu espetáculo. Esse clown "psicológico", que pode desenvolver uma
pedagogia dramática, necessária à liberdade do comediante, não é forçosamente
um clown de espetáculo e permanece no mais das vezes sendo um modo de expressão
privado. O pequeno nariz vermelho não basta para fazer um clown profissional e
a representação não deve ser uma exibição consoladora.
O clown exige também uma proeza,
freqüentemente ao inverso da lógica; ele põe em desordem uma certa ordem e
permite assim denunciar a ordem vigente: deixa cair o chapéu, vai apanhá-lo
mas, desajeitadamente, dá-lhe um pontapé e, sem querer, pisa na bengala que lhe
joga de volta o chapéu nas mãos. O clown erra onde não esperamos e acerta onde
não esperamos. Se tentar um salto perigoso, cai, mas o executa quando lhe dão
uma bofetada. Assim o clown Grock, escondido atrás de um biombo, conseguia
junglar com três bolas, só elas visíveis ao público, o que não conseguia fazer
perante o público.
O clown toma tudo ao pé da letra,
em seu sentido imediato: quando a noite cai (bum!) ele a procura no chão e nós
rimos de seu lado idiota e ingênuo. Se alguém lhe manda tomar um ar ele quer
segurá-lo com a mão. Todos pregam-lhe peças. Alguém o manda abaixar-se e olhar
para os pés: ele se abaixa e leva um pontapé nos fundilhos; achando a piada
"muito boa", vai passá-la a um terceiro personagem; este lhe pede
para mostrar como fazê-lo e o clown recebe um novo pontapé deste novo
personagem, que já conhecia a blague.
O pequeno nariz vermelho, "a
menor máscara do mundo", dando ao nariz uma forma redonda, banha os olhos
de ingenuidade e aumenta o rosto, desarmando-o de qualquer defesa. Ele não
causa medo, o que faz com que seja amado por todas as crianças.
A pantomima, outrora, desceu ao
picadeiro do circo e deu ao clown o rosto branco de Pierrot, que torna-se então
o clown branco. O clown, hoje, é sobretudo o augusto e, portanto, todos os
cômicos do picadeiro.
Beckett deu uma nova dimensão ao
clown, fazendo com que ele descobrisse os altos sopros da existência. O herói trágico
tornou-se inabordável, e o clown o substitui, "Esperando Godot"...
Clowns de teatro e clowns de
circo misturam-se no Circo Alfred, na Tchecoslováquia, com Ctibor Turba e
Boleslav Polivka. Pierre Byland e Philippe Gaulier, clowns de teatro absurdo, fazem
um espetáculo, Os Pratos. Cada país encontra seus clowns, o fenômeno é
internacional, e não é o circo que os faz nascer. Os jovens comediantes se
reconhecem nesse mundo clownesco que desenvolvem longe da imagem típica do
clown de circo.
Essa busca de seu próprio clown
reside na liberdade de poder ser o que se é e de fazer os outros rirem disso,
de aceitar a sua verdade. Existe em nós uma criança que cresceu e que a
sociedade não permite aparecer; a cena a permitirá melhor do que a vida.
Esse caminho é puramente
pedagógico e essa experiência serve ao comediante para além mesmo da
representação clownesca. Não basta, para um clown de teatro, apresentar-se ao
público fracassando naquilo que procura realizar e com uma roupa típica e nariz
vermelho. O clown profissional deve saber realizar seus fracassos com talento e
trabalho. Os clowns de teatro fundamentam-se mais sobre o talento do comediante
que sobre o do acrobata; sem o nariz vermelho, eles animam um mundo geralmente
absurdo e trágico. Em companhias, montam peças curtas criando seus personagens
a partir de si mesmos, caricaturando a si mesmos.
In "Le Théâtre du
geste", org. de Jacques Lecoq, Ed. Bordas, Paris, 1987, pág. 117. Tradução
de Roberto Mallet.
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